Meia hora antes de ser eleito dirigente do Partido Comunista Soviético, a 11 de Março de 1985, Mikhail Gorbatchov disse a Andrei Gromiko, Ministro dos Negócios Estrangeiros da União Soviética, que o partido tinha de mudar, ou as pessoas sairiam para a rua.
Num encontro com os jornalistas na passada semana em Moscovo, Gorbatchov antecipou algumas das revelações que irá publicar num livro a sair dentro em breve, quando se assinalam 25 anos da sua chegada à liderança do Partido.
'Eu chamei por ele [Gromiko] e disse: ou o Partido começa as reformas, ou seremos corridos do poder pelo povo. E ele concordou comigo', descreveu o ex-Presidente soviético.
O apoio de Gromiko foi fundamental para que Gorbatchov fosse eleito secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), pois a 'velha guarda' tinha outros candidatos. Porém, o influente chefe da diplomacia soviética compreendeu a necessidade de mudanças.
Gorbatchov considera que a política de reformas começou com Iúri Andropov, antigo dirigente da polícia secreta soviética KGB e secretário-geral do PCUS durante pouco mais de um ano, que 'criou grupos de trabalho com vista a estudar a situação real no país e elaborar reformas'.
'Em 1982, a economia soviética, não obstante o que mostravam as estatísticas oficiais, teve um crescimento negativo', acrescenta.
'Viemos a saber mais tarde que o Presidente americano, Ronald Reagan, pediu ao rei da Arábia Saudita para descer o preço do petróleo, o que fez com que a União Soviética tenha perdido dois terços dos seus rendimentos originários da exportação do petróleo', lembra ainda.
Às dificuldades externas, o dirigente soviético acrescenta as perdas económicas e sociais da 'campanha anti-alcoólica' realizada na URSS.
'Era necessário combater o alcoolismo no país, e continua a ser premente fazer isso agora, mas os métodos adotados foram errados', recorda Gorbatchov, sublinhando que essa campanha afetou duramente os cofres públicos, que tinham na produção de álcool, monopólio de Estado, uma das maiores fontes de rendimento.
Além disso, o antigo Presidente soviético reconheceu ter-se atrasado na reforma do Partido Comunista e da União Soviética, sublinhando que, nessas áreas, devia ter sido mais 'decidido'. Porém, acusa políticos como Boris Ieltsin, ex-Presidente da Rússia, de terem fomentado o processo de 'desintegração do país' para chegarem ao poder.
Gorbatchov também não poupa críticas aos dirigentes ocidentais, que, além de não terem apoiado economicamente as suas reformas, não cumpriram os compromissos assumidos.
'Por exemplo, prometeram não alargar a NATO. Agora, justificam-se: nós comprometemo-nos com a União Soviética, mas esse país já não existe. Boa explicação', ironizou.
LONGE DA POPULARIDADE
Mikhail Gorbatchov, iniciador há 25 anos das reformas na União Soviética que ficaram conhecidas por 'perestroika' (reestruturação) e 'glanost' (transparência), é tão impopular na Rússia quão popular no ocidente.
Segundo uma sondagem realizada pelo Centro de Estudo da Opinião Pública da Rússia (VTSIOM), o antigo dirigente soviético vem nos últimos lugares da lista das personalidades russas mais populares do século XX.
Se o primeiro cosmonauta Iúri Gagarin goza da simpatia de 35 por cento dos inquiridos, Mikhail Gorbatchov, que chegou ao poder a 11 de Março de 1985, não vai além dos 03 por cento.
Os comunistas não lhe perdoam a sua política de abertura ao ocidente, acusam-no de 'traição' dos ideais marxistas-leninistas e de todos os males da actual Rússia.
Vassili Starodubtzev, um dos dirigentes comunistas que participou no golpe de Estado com vista a derrubar o Presidente Gorbatchov em 19 de Agosto de 1991, acusa-o de traição: 'Ele foi um Judas. Foi um dos organizadores do golpe e depois traiu-nos... e passou para o lado da 'democracia vencedora''.
'Como qualquer russo normal, lamento o desmoronamento do nosso grande país, a pilhagem das suas riquezas, a humilhação jamais vista do meu povo. Nessa altura, os Estados Unidos encontravam-se no limiar da falência, da desintegração. E só a desintegração da URSS ajudou os EUA a escapar à catástrofe', acrescenta.
Do lado político oposto, os liberais não lhe perdoam a demora na tomada de decisões com vista a retirar ao Partido Comunista da União Soviética o monopólio do poder ou para reformar a economia soviética.
Quanto aos russos em geral, o analista político Vladimir Pribilovski considera que a impopularidade de Gorbatchov se deveu em parte à sua esposa.
'A sua esposa era mais culta do que Gorbatchov. Ela fez muito para melhorar o jovem saloio. Mas ela não soube manter o equilíbrio entre como se comportar em público e o que o povo pensava do papel da mulher na política', sublinha.
O analista político Andrei Kolesnikov encontra outra razão para explicar a impopularidade de Gorbatchov.
'Ele e o povo produziram uma química amorosa entre eles, mas precisamente por isso esperavam dele magia: que tudo ficasse na mesma, que se pudesse continuar a passar os dias a beber chá, mas com as prateleiras cheias de produtos, que a vida fosse semelhante, no mínimo, à existente na RDA ou na Hungria, mas melhor seria como na Europa ocidental', afirma Kolesnikov.
'Viu-se que isso é impossível. O povo não lhe pôde perdoar isso até agora', conclui.